segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

O Bosque

Tempos atrás, eu era vizinho de um médico, cujo "hobby" era plantar árvores no enorme quintal da sua casa. Às vezes, observava da minha janela o seu esforço para plantar árvores e mais árvores, todos os dias. O que mais chamava a atenção, entretanto, era o facto de que ele nunca regava as mudas que plantava. Passei a notar, depois de algum tempo, que as suas árvores estavam a demorar muito para crescer. 
Certo dia, resolvi então aproximar-me do médico e perguntei se ele não tinha receio de que as árvores não crescessem, pois percebia que ele nunca as regava. Foi quando, com um ar orgulhoso, ele me descreveu a sua fantástica teoria. Disse-me que, se regasse as suas plantas, as raízes se acomodariam na superfície e ficariam sempre à espera pela água mais fácil, vinda de cima. Como ele não as regava, as árvores demorariam mais para crescer, mas as suas raízes tenderiam a migrar para o fundo, à procura da água e das várias fontes nutrientes encontradas nas camadas mais inferiores do solo. Assim, segundo ele, as árvores teriam raízes profundas e seriam mais resistentes às intempéries. Disse-me ainda, que frequentemente dava uma palmadinha nas suas árvores, com um jornal enrolado, e que fazia isso para que se mantivessem sempre acordadas e atentas. Essa foi a única conversa que tive com aquele meu vizinho. Logo depois, fui morar para outro país, e nunca mais o encontrei. 
Vários anos depois, ao retornar do exterior fui dar uma olhadela na minha antiga residência. Ao aproximar-me, reparei num bosque que não havia antes. 
O meu antigo vizinho, tinha realizado o seu sonho! O curioso é que aquele era um dia de um vento muito forte e gelado, em que as árvores da rua estavam arqueadas, como se não estivessem a resistir ao rigor do inverno. Entretanto, ao aproximar-me do quintal do médico, notei como estavam sólidas as suas árvores: praticamente não se moviam, resistindo implacavelmente àquela ventania toda. Que efeito curioso, pensei eu...
As adversidades pela qual aquelas árvores tinham passado, levando palmadinhas e tendo sido privadas de água, pareciam tê-las beneficiado de um modo que o conforto o tratamento mais fácil jamais conseguiriam.
Todas as noites, antes de me ir deitar, dou sempre uma olhadela nos meus filhos. Debruço-me sobre as suas camas e observo como têm crescido. Frequentemente, rezo por eles. Na maioria das vezes, peço para que as suas vidas sejam fáceis: "Meu Deus, livre os meus filhos de todas as dificuldades e agressões desse mundo"...
Tenho pensado, entretanto, que é hora de alterar as minhas orações. Essa mudança tem a ver com o facto de que é inevitável que os ventos gelados e fortes nos atinjam e aos nossos filhos. Sei que eles encontrarão inúmeros problemas e que, portanto, as minhas orações para que as dificuldades não ocorram, têm sido ingénuas demais.
Haverá sempre uma tempestade, ocorrendo em algum lugar. Portanto, pretendo mudar as minhas orações. Farei isso porque, quer nós queiramos ou não, a vida não é muito fácil.
Ao contrário do que tenho feito, passarei a rezar para que os meus filhos cresçam com raízes profundas, de tal forma que possam retirar energia das melhores fontes, das mais divinas, que se encontram nos locais mais remotos. Oramos demais para termos facilidades, mas na verdade o que precisamos de fazer é pedir para desenvolver raízes fortes e profundas, de tal modo que quando as tempestades chegarem e os ventos gelados soprarem, resistiremos bravamente, ao invés de sermos subjugados e varridos para longe.

 

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